quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Campi do Interior: distância que não se mede em quilômetros


Entre os dias 16 e 19 de novembro, visitamos os campi de Rondonópolis e Sinop. Antes da viagem, esperávamos encontrar os mesmos problemas administrativos que amarram todas as unidades da UFMT (lentidão em compras, falta de qualidade do material de consumo, falta de agilidade em manutenção, falta de pessoal, falta de salas de aula e para professores, falta de clareza na tomada de decisões e distribuição de recursos, etc.). Ou seja, esperávamos nos deparar com um quadro de alto enosamento estrutural que nos impede de atingir um estágio de discussão de políticas de médio e longo prazo para os campi do interior. Porém, o que nos deparamos foi uma problemática multidimensional muito mais profunda: o longo tempo que a miríade de problemas pontuais persiste fez com que uma parte significativa do corpo técnico, docente e discente dos campi do interior não acredite mais na própria instituição. Esse quadro é grave e é particularmente crítico no caso do campus de Sinop.
É muito difícil descrever o problema literalmente, sendo fiel à sua intensidade. É impossível dimensionar em palavras a enorme carga emocional que vivenciamos lá. Por isso, para entender a dimensão do problema, somente indo até lá e convivendo durante algum tempo com os profissionais locais.
Há apenas uma alternativa para a minimização de tal problemática: a administração superior da UFMT deve se colocar ao lado dos profissionais dos campi do interior e minimizar, um por um, os entraves administrativos e a falta de transparência na tomada de decisões. É possível fazer isso mediante uma reengenharia da gestão administrativa, mas, mais importante que isso, a administração superior deve ir até lá, olhar nos seus olhos, ouvi-los, entender a profundidade das suas reivindicações. Essa ação é fundamental e deve ser feita urgentemente.
Vamos trabalhar no sentido de reintegrar efetivamente alunos, técnicos e docentes à UFMT, incluí-los, em primeiro lugar, para então construir as condições de confiabilidade na instituição e, finalmente, estabelecer uma política de médio e longo prazo para os campi do interior, envolvendo ações de apoio a grupos de pesquisa e ensino emergentes, norteada por uma concepção contemporânea de desenvolvimento socioeconômico, cumprindo o papel de universidade.

Autonomia Universitária: O Querer e O Ser



O Artigo 207, Capítulo III, da Constituição Brasileira, bem como os Artigos 53 a 55 da LDB estabelecem os princípios da autonomia universitária. No entanto, a autonomia garantida por lei e o desejo de obtê-la podem não ser suficientes se faltar um forte propósito de exercê-la. A postura das universidades públicas brasileiras, hoje, é muito mais respondente – no sentido de atender editais nacionais – do que proponente – no sentido de adotar uma postura proativa no estabelecimento de uma política de desenvolvimento nacional.

Muitos são os obstáculos no exercício da autonomia e muitos deles estão onde é menos perceptível.

A burocracia é o primeiro e, por isso, principal obstáculo à autonomia. É sabido que os gestores de cursos e unidades têm que dedicar uma componente excessivamente grande de seu tempo deliberando sobre pequenos processos, com baixo ou nenhum poder transformador. Além disso, não dispõem de sistemas informatizados suficientemente eficientes de forma a facilitar o seu trabalho. O mesmo acontece com os órgãos colegiados superiores que praticamente só decidem sobre processos menores.

Isso constitui um problema para a autonomia universitária uma vez que, com tal carga de trabalho, não há espaço para a discussão de políticas e grandes projetos de médio e longo prazo, uma ação que está à altura da importância dos colegiados superiores e que lhes cabe como papel natural.

O primeiro passo para a reversão desse quadro consiste em rever e reelaborar o Estatuto e o Regimento Geral da UFMT. Isso é importante. Devemos reorganizar nossa legislação interna na busca de uma universidade mais proativa, propositiva e que exerça uma participação efetiva no delineamento de uma política regional e nacional de desenvolvimento socioeconômico.

Clamamos por uma legislação interna mais leve e dinâmica, menos burocrática, que potencialize a autonomia de colegiados e coordenadores de curso e que também valorize a grande importância dos órgãos colegiados superiores.

Não precisamos esperar as eleições ou a próxima gestão para iniciar tal processo de renovação. O primeiro passo para isso é a análise das resoluções existentes, agrupando-as por temas, identificando as que foram substituídas por mais recentes, e projetando-as para o futuro dentro de uma política definida pelos órgãos superiores, pautada na lei. Há softwares que podem nos ajudar nesse longo e importante trabalho.

Desejamos uma legislação interna leve, dinâmica, que dignifique nosso trabalho, propositiva, que esprema cada gota de autonomia da lei. Uma legislação que projete a UFMT como uma universidade proativa.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Primeiras metas do Movimento Universidade ProAtiva

Professor Sérgio de Paulo para Reitor


Day and Night, M.C. Escher (1938)

A Universidade Federal de Mato Grosso acabou de experimentar uma das mais longas greves da sua história. Durante os longos meses desse período, praticamente nada se viu, nada se sentiu ou se ouviu, de apoio ao movimento por parte da sociedade. Tal realidade se configurou quase que invariavelmente com relação às demais dezenas de instituições de ensino superior que participaram do movimento. O distanciamento entre as universidades públicas brasileiras e a sociedade é mais que evidente. Há como reverter isso.


Durante nossa caminhada em visita às diversas unidades e diálogos que vivenciamos com profissionais dessas unidades constatamos in loco que o nosso problema fundamental não está numa suposta falta de competência de nossos docentes e técnicos. Somos competentes. O que vimos foi, ao invés disso, o cansaço e o desânimo. O cansaço não tem natureza física; o desânimo não tem origem interna. O que vimos foram pessoas se sentindo desvalorizadas naquilo que fazem, lutando para desempenhar o seu papel profissional. Esse fato também pode ser revertido.

O primeiro passo para isso começa antes mesmo das eleições, que serão provavelmente programadas para março. É necessário que a comunidade universitária confie na sua próxima administração superior. É necessário que quem ganhe essas eleições o faça de maneira irrefutavelmente responsável.

Para isso, estabelecemos as primeiras metas de nossa caminhada para a reitoria:
  1. Comprometemo-nos a fazer uma campanha barata: Desde que nos comprometemos com o processo, houve várias manifestações no sentido de que precisaríamos contar com um milhão de reais, ou mais, para sustentar a campanha. Temos que acabar, de uma vez por todas, com essa imagem que a UFMT tem para a sociedade. Devemos provar que qualquer docente da universidade que se sinta com forças suficientes para assumir tal propósito, tem condições de fazê-lo. Esperamos contar com a disposição de toda a comunidade universitária nesse sentido.
  2. Comprometemo-nos a não definir cargos antes do pleito: Vamos assumir o risco de não estabelecer cargos em função de compromissos por votos. Os cargos devem ser definidos em função das competências daqueles que os ocuparão.
  3. Comprometemo-nos a realizar uma campanha pautada nos diversos pontos de nossa proposta: O candidato a reitor da UFMT deve apresentar propostas objetivas para o futuro da universidade, e o processo eleitoral deve estar focado nessa ação, para que a comunidade faça uma escolha consciente.
  4. Comprometemo-nos a realizar uma campanha baseada em adesão voluntária: Estamos convencidos que o próximo reitor terá muito mais força para empreender as transformações necessárias, vencer nessa condição.
Não pode pairar sombras de dúvidas na comunidade sobre a lisura do processo sucessório à administração superior da UFMT. Este é um primeiro passo para que a sociedade volte a confiar na UFMT. Um primeiro passo para mostrar para as pessoas que é possível, no Brasil, uma democracia madura com instituições fortes e independentes.

É o primeiro passo – dentre muitos outros necessários – para que, na próxima greve, não contemos apenas com dezenas de pessoas nas assembleias do Sintuf ou da Adufmat, mas duzentos milhões de pessoas do nosso lado.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A Universidade como agente transformador da sociedade na transição entre a Idade Média e a Moderna


A Idade Média já foi chamada, durante muito tempo, de “idade das trevas”. Contudo, investigações desenvolvidas nas últimas décadas têm levado a uma revisão dessa concepção. Ao contrário, o período da história da humanidade que compreende desde o século I até o XV foi rico em desenvolvimentos de ordem científica e tecnológica. Talvez a maioria deles tenha ocorrido na China, antes do século XIII, e na Europa, a partir desse século. Os desenvolvimentos chineses tiveram um cunho pragmático e tecnológico, os europeus, um cunho teórico e acadêmico. Devido ao forte processo de globalização ocorrido na Idade Média, as invenções chinesas foram espalhadas por todo o mundo, enquanto que os desenvolvimentos teóricos cristãos foram muito bem guardados. 

Ao se estudar a cronologia de invenções chinesas ao longo dos séculos, pode-se observar um declínio ocorrido no século XIII, que coincide com a invasão da China pelo Império Mongol, liderado por Gengis Khan (1162-1227). O grande Khan deve ter encontrado, na China, um país plenamente desenvolvido e, de fato, utilizou-se de invenções chinesas para conquistar quase todo o resto do mundo, como as catapultas que permitiram aos mongóis tomar a Pérsia em 1218.

O Império Mongol foi o mais vasto da história da humanidade. Seu exército era quase que totalmente composto de cavaleiros leves e rápidos, treinados a atirar flechas – quando as quatro patas dos cavalos estavam no ar – a uma distância de 500 metros. Assim, os exércitos de Gengis Khan podiam aniquilar os adversários muito antes desses estarem à distância de uma espada. No início do século XIII, o Império Mongol se estendeu rapidamente desde a costa este da Ásia até o rio Danúbio, na Hungria, ou cerca de metade do mundo conhecido. Pesquisas recentes apontam que aproximadamente 0,5% dos homens que vivem no mundo atualmente são descendentes de Gengis Khan. 

Durante a Idade Média, antes da invasão mongol, a China exibe um extraordinário rol de inovações tecnológicas (ver tabela) que se espalharam para o mundo todo, algumas com transferência de conhecimento, outras, como a seda, como um produto acabado, que os consumidores não tinham a mínima ideia de como eram produzidos.
Lista de algumas invenções chinesas entre os séculos I e XII
Século
Invenção
I
- Utilização de água corrente como fonte de energia mecânica
- Ponte suspensa
- Sismógrafo
II
- Reconhecimento das manchas solares
- “Lanterna mágica” – o ancestral do projetor de slides.
- Barcos com múltiplos mastros.
III
- Máquina cibernética.
- Molinete.
- Estribo.
- Porcelana.
- Controle biológico de pestes.
- Compreensão do timbre musical.
IV
- Guarda-chuva.
- Hélice.
V
- Fundamentos da máquina a vapor.
- Fusão do aço.
VI
- Descoberta do vento solar.
- Pontes em arco.
- Xadrez.
- Descoberta da diabete pela análise de urina.
VII
- Primeiros relógios mecânicos rudimentares.
VIII e IX
- Tábuas de impressão (imprensa).
- Jogo de cartas.
- Papel moeda.
- Pólvora.
X a XII
- Fechadura.
- Construção de mapas por projeção.
- Tinta fosforescente.
- Imunologia
- Sinalizadores luminosos (fogos de artifício).
- Granadas.
Fonte: http://www.computersmiths.com/chineseinvention/

Conforme pode-se observar da tabela, a maioria das invenções são aplicáveis no cotidiano, assim, pode-se supor que tenham sido impulsionadas por necessidades pragmáticas pelo aperfeiçoamento de técnicas utilizadas no comércio e na vida diária. Tal desenvolvimento é compatível com a existência dos assim chamados artesãos, ou seja, leigos que, por gostarem muito de um trabalho específico ou por pura necessidade, se dedicavam a uma profissão, tal como a dos ferreiros e pedreiros. Em geral, tais profissionais desejavam que os filhos (ou algum ajudante preferido) também se dedicassem à mesma profissão, mantendo a tradição da manipulação daquela “arte”. Eventualmente, instalavam-se pequenas escolas, onde o mestre (aquele que tinha muitos anos de experiência naquela profissão) ensinava os segredos de uma “arte” aos novatos; mais ou menos o que ocorre com os pedreiros e mecânicos de automóveis nos dias de hoje.

Assim, o desenvolvimento tecnológico acontece com aperfeiçoamentos de velhas técnicas, devido à experiência profissional, e a descoberta, muitas vezes acidental, de novas, e quase nada é escrito. As tradições artesanais eram repassadas, geração após geração, oralmente.

Durante a Idade Média, o aprimoramento de técnicas artesanais levou, mesmo na Europa, a desenvolvimentos notáveis como o aperfeiçoamento da metalurgia, utilizando a captação de energia cinética da correnteza de rios, através de rodas d’água, para o acionamento de foles – o que levou à descoberta do aço, já que o carvão utilizado nas fornalhas acabou se misturando com o ferro; a captação de energia eólica, por meio dos cata-ventos, com esmagamento mecânico de grãos (moinhos); com isso, desenvolveram-se técnicas de reorientação de cursos de água e construção de barragens. Houve, ainda, o aprimoramento de técnicas de fiar com a introdução da roca e da roda de fiar acionada a pedal; a invenção do botão, da camisa, do álcool, do champanhe, dos poços artesianos e da calçada nas cidades; fabricação de sapatos com medidas padronizadas; a criação dos correios; a descoberta da manivela e da biela (que transforma movimento rotativo em alternado).

Há que se destacar que, de maneira crescente durante a Idade Média, houve um forte processo de globalização comercial. A despeito das guerras – ou, as vezes, mesmo impulsionado por elas – estabeleceu-se uma rede comercial mundial que se estendeu desde a orla europeia do Oceano Atlântico até a China, através de grandes caravanas e navegação marítima no Mediterrâneo. Na Europa, pequenos reinos e, muitas vezes, cidades prosperaram e se estabeleceram como rivais comerciais, como no caso de Gênova e Veneza, na Itália. Com isso, desenvolveram-se também algumas técnicas comerciais, como a planilha veneziana de duas colunas para débito e crédito, a letra de câmbio, o estabelecimento de bancos e o seguro marítimo.

No século XIII, quando tais prósperas cidades italianas estavam em seu auge de desenvolvimento, viria a ocorrer, na Europa, uma importante transformação no pensamento científico com uma profunda mudança na relação entre a ciência, a tecnologia e a sociedade. Tal transformação veio a acontecer concomitantemente com uma aparente desaceleração do número de invenções chinesas, que agora estava sob o domínio mongol. 

No dia em que o veneziano Marco Polo se apresentou, em 1278, diante do poderoso Kublai Khan, neto de Gengis Khan, que ora governava toda a China, estava maravilhado pelo assombroso desenvolvimento daquela nação. Contudo, não seria a Índia ou a China que dominariam todo o mundo nos séculos subsequentes, mas a pobre, subnutrida e insalubre Europa.




Marco Polo se apresentando diante de Kublai Khan – gravura medieval.

Para compreender melhor tal processo, devemos analisar o que ocorreu na Europa na chamada Baixa Idade Média (séculos XIII a XV). Mas para isso vamos retroceder até meados do século IX. Nessa época, o abade Paschasius Radbertus criou a doutrina da transubstanciação, ou seja, de que a carne e o sangue de Cristo realmente estão presentes no vinho e no pão durante a missa. Rapidamente, essa ideia foi transformada em dogma, contudo não antes de muita polêmica sobre se a presença de Cristo seria literal ou apenas figurada.

Os intensos debates que se seguiram através do resto do século IX se transformaram num debate mais geral e profundo a respeito da natureza dos conceitos gerais e genéricos, como a beleza, a virtude e o amor. Tais conceitos eram denominados universalia pelos clérigos ao fim do primeiro milênio. Dois grupos se formaram em torno da natureza dos conceitos genéricos: os realistas e os nominalistas. Os primeiros acreditavam que os universalia tinham existência real, ou seja, eram substanciais, tal como nas ideias platônicas. Já os nominalistas acreditavam que os unisersalia não eram nada além de nomina, ou seja, eram apenas nomes ou palavras.

O debate se tornou intenso ao longo do tempo, especialmente no século XI, com os embates de Johannes Roscellino, pelo lado dos nominalistas, e, pelo lado dos realistas, de Guilherme de Champeaux e Anselmo de Canterbury, o pai da escolástica.

A escolástica se constituiu num movimento, dentro da igreja, caracterizada pela realização de debates, pesquisas em obras clássicas e produção de tratados científicos em torno de debates filosóficos puros, ou seja, sem aplicação prática. Dessa forma, no século XIII, a Europa contava com uma classe de pensadores com alguns séculos de amadurecimento no pensar abstrato, o que não ocorreu no oriente, onde a ciência tinha orientação pragmática.

No século XII, Pedro Abelardo (1079-1142) estabelece as bases para uma revolução no sistema de produção de conhecimento ao inaugurar uma nova didática que se constituiria a base do ensino universitário futuro: o de considerar todas as ideias concorrentes a respeito de um conceito e observar esse conceito por diversos ângulos, de maneira dialética. Além disso, Abelardo consolidou uma posição intermediária entre o realismo e o nominalismo.

Finalmente, em 1233, o Papa Gregório IX outorga a escola clériga de Toulouse, na França, o direito de expedir o título de mestre, sendo que o possuidor do título poderia lecionar em todo o mundo cristão. O ato, na prática, oficializaria a instituição criada especialmente para o estudo dos universalia: a universidade.

Talvez tenha sido esta a diferença fundamental que definiu o futuro da Europa de maneira distinta do Oriente. É possível que o pensamento pragmático e empírico dos artesãos em todo o mundo tenha atingido um limite de desenvolvimento. A partir de então seria necessária a consolidação do pensamento abstrato e teórico que não se desenvolveu no Oriente, talvez devido aos mongóis, ou talvez devido à falta de uma instituição – a universidade – experiente no pensamento abstrato. Para que a ciência se desenvolvesse além de um certo limite, seria necessário o trabalho conjunto do pragmatismo artesão e do pensamento abstrato cristão.


Ética e Sabedoria. – Ilustração para a tradução para o 
francês da Ética, de Aristóteles,feita por Jean Buridan.

Sérgio Roberto de Paulo
Instituto de Física - UFMT

O Papel da Universidade



Que caminho devemos seguir diante da atual situação?


A reflexão para uma resposta segura e objetiva a essa questão nos remete à história. No passado, profundas transformações advieram de ações focadas. A que vamos discutir agora, e que tem relação direta conosco, é a seguinte: Como nações como a Espanha e Inglaterra dominaram o mundo a partir do Séc. XVI, se, anteriormente a isso, a Europa fora dominada pela Idade das Trevas, enquanto que a China experimentou, no mesmo período, um desenvolvimento tecnológico invejável? A resposta a essa questão é muito objetiva. Na Europa medieval ocorreu algo ímpar no mundo: a criação da Universidade. 

A Universidade foi criada na França, no Séc. XIII, para estudar os universalia, conceitos abstratos que pouco tinham a ver com a vida cotidiana, ou seja, tratava-se do conhecimento básico, puro. A importância do conhecimento básico, assim, fica claramente delineada. A análise dos projetos de pesquisa da UFMT dos últimos cinco anos demonstra que quase a sua totalidade tem foco em questões regionais. A atenção a tais questões é importantíssima, mas o exagero nessa orientação nos impõe limites com relação à própria qualidade de nossa pesquisa e tem reflexo, já visível, na qualidade de nossos cursos de graduação e pós-graduação. 

Por outro lado, o sucesso da universidade no fomento ao desenvolvimento na Idade Moderna teve outro componente: a universidade incorporou, na sua estrutura, o conhecimento pragmático, não acadêmico, construído entre os artesãos da população. A figura acima (um detalhe da capa do livro Ética, de Aristóteles, com tradução de Jean Buridan (1295-1363)) ilustra bem isso. Mas as universidades, e dentre elas, a UFMT, devido a uma política conjuntural, estão perdendo a sua capacidade técnica. Basta olhar para as nossas paredes rachadas, as nossas goteiras, o nosso verde e nossos gastos com energia para perceber nitidamente isso.

Ademais, o nosso distanciamento em relação ao conhecimento pragmático faz parte de uma conjuntura maior, constituída no âmbito do afastamento entre a universidade e a sociedade. Hoje, a sociedade não nos vê mais como algo tão importante, o que se manifesta na falta de apoio às nossas greves. É necessário, portanto, um movimento de reaproximação que indiscriminadamente estabeleça relações com todos os segmentos da sociedade, um movimento apartidário e que não seja uni-ideológico, que avance, nos integrando ao setor produtivo, tão necessitado de conhecimento básico, e, igualmente, aos movimentos sociais, plenos em conhecimento pragmático.

Como fazê-lo? Propondo, assumindo um papel proativo no processo de desenvolvimento do país. A UFMT e as universidades brasileiras, de um modo geral, têm assumido uma postura respondente a demandas da esfera governamental. Basicamente, nós atendemos aos editais externos, mas não estamos assumindo o papel de proponentes, apontando caminhos para a melhoria da condição de vida da população. Vamos fazê-lo. Vamos resolver os problemas cotidianos que nos afligem, vamos reparar os nossos prédios, vamos resolver os nossos problemas crônicos de saneamento, internet, sistema acadêmico, conforto, minimizar conflitos pessoais com os colegas e vamos nos debruçar sobre o nosso real papel: o de estabelecer políticas e formar bem os nossos profissionais. Vamos fazer. Vamos recuperar o sentimento de estarmos engrandecidos por fazer parte da UFMT.